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Kaio

 

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31 dezembro 2023

2023: Legacy Edition

Conforme comentei no post sobre o Primavera Sound, 2023 foi o meu melhor ano em muito tempo. 2022 já havia sido ótimo (casamento, fim da pandemia, shows de Gorillaz, Renaissance e Pixies, festas no Vizinha 123, Bolsonaro perdeu a eleição etc.) mas o ano atual foi melhor ainda - e com isso vamos direto ao 1º top 5 do texto:


Os 5 melhores acontecimentos do ano:

5. Comecei a fazer terapia/análise na última semana do ano passado e ao longo de 2023 fui sentindo os resultados - um deles foi conseguir fazer meu self não depender da carreira acadêmica para se sentir realizado (ou seja, consegui separar vida profissional de vida "pessoal");

4. Viajei para São Paulo em Julho, fui à exposição de games Retrocon e passeei na Galeria do Rock pela 1ª vez desde 2013;

3. Consegui terminar de escrever um artigo que estava desenvolvendo desde meados do ano passado - "Ensaio de uma Teoria Política Pessimista".

2. Fui ao melhor festival da minha vida (Primavera Sound) e, duas semanas depois, ao melhor show (Paul McCartney);

1. Eu e a Carolina descobrimos que seremos pais! Ela já está com 4 meses e meio de gravidez.


Vamos às demais listas - as quais detalharei em breve.


Os 5 melhores games que joguei:

5. Mario Kart: Super Circuit (GBA - Nintendo Switch)

4. Pokémon Violet (Nintendo Switch)

3. Yakuza: Like a Dragon (Xbox One)

2. Persona 5 Royal (Xbox One / Nintendo Switch)

1. Xenoblade Chronicles 3 (Nintendo Switch)


As 5 melhores séries que vi:

5. Daisy Jones & The Six 

4. The White Lotus 

3. Fringe 

2. You're The Worst 

1. Sucession 


Os 5 melhores livros que li:

5. As Consolações da Filosofia (Alain de Botton)

4. Sobre o Livre-Arbítrio (Arthur Schopenhauer)

3. Dias de Luta: o rock e o Brasil dos anos 80 (Ricardo Alexandre)

2. A Batalha pela Alma dos Beatles (Peter Doggett)

1. O Som da Revolução: uma história cultural do rock, 1965-1969 (Rodrigo Merheb)


Os 5 melhores shows em que fui:

5. Beck (Primavera Sound, 3/12)

4. Pet Shop Boys (Primavera Sound, 2/12)

3. Titãs (Jeunesse Arena, 28/4)

2. The Cure (Primavera Sound, 3/12)

1. Paul McCartney (Maracanã, 16/12)


As 5 bandas que mais ouvi:

5. Mansun

4. Queen

3. King Crimson

2. Steely Dan

1. The Beatles


As 5 melhores canções do ano:

5. "Angry" (The Rolling Stones)

4. "Satanist" (Boygenius)

3. "The Narcissist" (Blur)

2. "This Is Why" (Paramore)

1. "Now and Then" (The Beatles)


Os 5 melhores álbuns do ano:

5. Everything Is Alive (Slowdive)

4. The Death of Randy Fitzsimmons (The Hives)

3. The Record (Boygenius)

2. The Ballad of Darren (Blur)

1. This Is Why (Paramore)

30 dezembro 2023

Paul is Live at Maracanã Stadium

(Post incompleto, vou terminar em breve)

 Na fila para o show do Paul McCartney. Felizmente peguei sombra desde que cheguei, à 15h.

Visibilidade ótima, de frente para o palco.

DJ tocando vários clássicos dos Beatles antes do show começar, como "Oh! Darling" e um remix de "Why Don't We Do It In The Road".

Direto ao ponto: foi o melhor em que já fui na minha vida! 😊 Setlist perfeito, com 36 canções mágicas e cheias de ressonância emocional dos Beatles, dos Wings, do Paul McCartney solo e até dos Quarrymen! Uma noite lendária!


Melhores momentos

"Can't Buy Me Love"

"Let Me Roll It"

"Getting Better"

"Nineteen Hundred and Eighty-Five"

"Maybe I'm Amazed"

"Here Today", dedicada a John Lennon

"Something", dedicada a George Harrison

"Jet", dedicada a Denny Laine

"Ob-La-Di, Ob-La-Da" - balões distribuídos na entrada

"Band On The Run" me fez lembrar da minha esposa que não consegue tirar essa "música grudenta" da cabeça

"Live And Let Die" foi o momento mais (literalmente) pirotécnico do concerto. É a melhor trilha sonora de filmes de James Bond / 007 de todos os tempos - ligeiramente à frente de "A View to a Kill" (Duran Duran) e "The World Is Not Enough" (Garbage).

"Hey Jude" foi a canção mais ecumênica do show. A plateia cantou e levantou cartazes de "Na Na" por todo o Maracanã.

O bis foi de tirar o fôlego, principalmente na faixa mais "rock pauleira" do setlist inteiro: "Helter Skelter".

O show terminou de forma magistral com três faixas do medley do Abbey Road: "Golden Slumbers", "Carry That Weight" e "The End".

13 dezembro 2023

Spring Time (album version)

Viajei para São Paulo no fim de semana retrasado (1º a 4 de Dezembro) para ir ao festival Primavera Sound 2023. Quando anunciaram em Junho que haveria um show do The Cure, já seria motivo suficiente para eu querer ir - ainda que meio chateado porque a edição brasileira, ao contrário da argentina e da chilena, não contaria com o Blur (provavelmente por não serem tão populares por aqui a ponto de serem headliners de um dos dias do festival), o qual foi substituído como atração principal do sábado por The Killers.

O line-up do festival, contudo, era tão bom que havia pelo menos outras 7 bandas/artistas que eu queria ver (Slowdive, Beck, The Hives, Pet Shop Boys, Bad Religion, Cansei de Ser Sexy e os próprios Killers) e outros 4 que comecei a ouvir na semana anterior ao Primavera e que fiquei animado para assistir ao vivo (Black Midi, Just Mustard, Soccer Mommy e Carly Rae Jepsen). Desde o Lollapalooza 2014 - no qual vi os shows de Apanhador Só, Raimundos, Johnny Marr, Pixies e Arcade Fire e, por choque de horário, não pude assistir aos de Vampire Weekend, Soundgarden e Arcade Fire - eu não tinha encontrado tantas atrações interessantes reunidas num festival só!

Quando saiu o horário dos shows, infelizmente dois dos que eu queria ver tiveram que ser sacrificados: o Bad Religion se apresentaria entre o Beck e o The Cure, os quais tocariam no mesmo palco; e o CSS faria sua performance no mesmo horário do Slowdive. Felizmente  o Metric, que faria apenas um show solo em São Paulo na sexta 1º/12, foi incluído de última hora no line-up do festival, então agora eu tinha 11 apresentações para assistir ao longo de 2 dias!

Havia, contudo, duas questões para resolver nos dias que antecediam ao festival. A primeira era terminar até a deadline (27/11) um artigo que estava escrevendo para ser um dos capítulos do livro do Krisis, grupo de pesquisa em Teoria Política do IESP-UERJ do qual participo. Após um árduo processo de escrita, consegui concluir "Ensaio de uma Teoria Política Pessimista", um tema que já me interessa há 3 anos e meio (desde que li Pessimism, de Joshua Foa Dienstag) e sobre o qual decidi escrever em Junho do ano passado (quando enfim me "aposentei" do Merquior como objeto de estudo e pesquisa). O texto ficou com 27 páginas e já está em fase de revisão por um dos colegas do grupo.

A segunda, e mais urgente, era revender o ingresso da minha esposa, que não pôde ir por (bons) motivos pessoais. Após várias tentativas ao longo de quase um mês em dois grupos de Facebook, enfim consegui fechar a negociação com um comprador literalmente na véspera da viagem. Que alívio!

Com as pendências resolvidas, pude viajar com a cabeça mais tranquila. Preparei 4 playlists de bandas que tocariam no festival (Pet Shop Boys, The Hives, Beck e The Killers), as quais se juntaram às 2 que eu já tinha (Slowdive e The Cure).

Cheguei cedo na rodoviária, então passei um tempo na Livraria Leitura até a hora do embarque. No ônibus do Rio para São Paulo, li Plataforma (Michel Houellebecq) até a página 69 - estou gostando do livro, tem um tom bem cínico - e ouvi minhas playlists de Hives, PSB e Killers. Consegui fazer um almoço barato no famigerado Graal comendo pequenas porções de peixe, carnes, frango e nhoque.

Assim que cheguei em SP, peguei o metrô para a estação Anhangabaú e fui ao Shopping Light, onde combinei de encontrar o comprador do ingresso da minha esposa. Como ele vinha de uma região mais afastada da cidade, chegou meia hora depois. Deu tudo certo: ajudei ele a ativar a pulseira e ele me pagou logo em seguida.

Agora sim eu podia entrar totalmente no "modo turista"! Às 18h passei na Galeria do Rock, aproveitando que ela ficava no caminho a pé para o apartamento que aluguei via Airbnb na República. Comprei 5 CDs, dentre eles três na Aqualung Records, uma loja cujo site eu já conhecia: The Ballad of Darren (Blur), Turn of the Cards (Renaissance) e Snegs (Som Nosso de Cada Dia).



Após chegar ao apartamento às 19h, até pensei em passear à noite (cheguei a conversar sobre isso nos dois grupos de WhatsApp de pessoas que iam ao Primavera sozinhas), mas bastou jantar no McDonald's que ficava lá perto para de uma só vez matar a fome e ficar com sono, rs. Fui dormir às 22h30, mas perdi o sono às 1h30: a ansiedade para o festival era tão grande que fiquei vendo uma reprise de França 3x1 Polônia (oitavas de final da Copa passada) na FIFA TV - um dos canais disponíveis na televisão do apartamento - para tentar pegar no sono, rs. Também postei no Twitter um resumo da viagem até o momento.

Consegui dormir de novo quase às 5 da manhã, e acordei no sábado às 7h. Tomei café com leite e comi pão de queijo recheado de cheddar no McDonald's, e já estava de volta à Galeria do Rock às 9h, mas dessa vez o foco era comprar camisetas. A primeira parada, contudo, foi na Aqualung, aonde retornei para comprar o CD This Is Why (Paramore) - na noite anterior eu me lembrei que eles deviam ter este álbum, que considero um dos melhores de 2023. Ao longo daquela manhã passei não apenas na Galeria do Rock, mas também em uma outra galeria lá perto, na Rua Sete de Abril. Comprei CDs de Violeta de Outono, The Wedding Present, dois do Prince, entre outros.



Quanto às camisetas, comprei quatro: The Killers na Oficina Rock; Joy Division na London Calling; e The Cure e Sonic Youth na Locomotiva Discos (a loja de que mais gostei na galeria de 7 de Abril).



Após toda essa peregrinação na manhã de sábado, quando fui ver já era 12h30 - hora de almoçar e me arrumar para o festival! Perto do prédio em que eu estava hospedado - e do lado do McDonald's - havia um Habib's. Pedi para viagem cinco esfihas e um kibe. Minha mochila sacola consistia basicamente de: óculos de grau (para trocar com os óculos escuros quando anoitecesse), protetor solar, bolacha Passatempo, cookie Bauducco e garrafas de água mineral. Saí do apartamento às 13h40, e após seis estações na Linha 4 (Amarela) e dez na Linha 9 (Verde) e uma longa ladeira em Interlagos, enfim cheguei ao festival!

(Digressão: durante o percurso da República até Pinheiros, onde fiz baldeação para a Linha 9, bati papo com um cara que faz kendo, a arte marcial que minha esposa pratica há 10 anos! Achei curioso alguém estar carregando nas costas o que aparentava ser uma shinai - espada de bambu - , aí não resisti e perguntei para ele, e de fato era uma shinai e ele, um praticamente de kendo, rs. Ele não conhece minha esposa, mas no dojô dele há um kenshi que já foi do dojô dela no Rio. Foi uma conversa bacana! A propósito, as duas últimas vezes que estive em SP foram para eventos de artes marciais dos quais a Carolina participou - um treino de kendo em Fevereiro/2022 e um exame de iaido em Julho/2023)



O 1º dia do Primavera Sound foi maravilhoso! Cheguei às 15h em ponto e encarei uma maratona de shows, e todos foram excelentes! Faço a seguir uma resenha de cada um deles:



1)  Black MidiVi metade do concerto assim que cheguei em Interlagos. Teve altos e baixos: gostei das faixas mais agitadas (como "Welcome to Hell"), mas as mais lentas (particularmente uma chamada... "Slow") quebraram o ritmo, então saí alguns minutos antes do fim para pegar um bom lugar no Metric.


2) Metric: quando anunciaram que eles fariam um show solo no Cine Jóia na véspera do festival, fiquei bem animado, mas os ingressos gratuitos para quem tinha o passaporte para os 2 dias (Primavera Pass) se esgotaram em pouquíssimos minutos. Tudo mudou no dia 22/11, quando a banda entrou na programação depois que o MUNA cancelou sua participação - a vocalista havia fraturado o tornozelo. 

O setlist do Metric começou em alto nível, pois 3 das 4 primeiras faixas foram singles do álbum Fantasies, o melhor da discografia deles: "Gold Guns Girls", "Gimme Sympathy" e "Help I'm Alive". Obviamente fiquei bem empolgado com essa abertura, inclusive pela oportunidade de enfim ver ao vivo uma banda que comecei a ouvir em 2008 e que foi trilha sonora de bons momentos da minha época de faculdade.


Outros destaques do show foram "Combat Baby", "Black Sheep" e o encerramento com "Breathing Underwater". Também gostei das faixas mais eletrônicas dos discos mais recentes, como "Dark Saturday". Emily Haines tem muita presença de palco, e animou bastante a plateia!


3) The Hives: eu já sabia das brincadeiras deles (ex.: ficarem congelados numa pose por um minuto, botarem a plateia para sentar) por ter ido ao show que realizaram em Brasília em 2008; mesmo assim, não deixou de ser uma performance bem divertida. Os Hives são uma banda extremamente carismática, e provavelmente converteram novos fãs após esta apresentação no Primavera.


Quanto ao repertório, tocaram alguns dos clássicos ("Main Offender", "Hate To Say I Told You So", "Tick Tick Boom") e várias do disco novo, The Death Of Randy Fitzsimmons, o qual ficou muito bom - dentre elas, as melhores foram "Bogus Operandi", "Countdown To Shutdown" e "Rigor Mortis Radio". Como eles são suecos, sofreram bastante com o calor: o baterista Chris Dangerous estava com o rosto vermelho (mas chegou a ficar roxo) e o hiperativo vocalista Pelle Almqvist ficou tão exausto que, durante a última faixa do show, simplesmente se jogou dentro de um freezer horizontal que estava na passarela para recuperar o fôlego.


4) Slowdive: perdi a maior parte da 1ª música ("Shanty") porque o show deles começou antes mesmo dos Hives terminarem, mas fui correndo e ainda peguei um bom lugar - bem mais perto do Palco São Paulo do que alguém que estava em outro palco há apenas 5 minutos geralmente conseguiria, rs.

Mesmo sem poder cantar devido a uma pneumonia, Rachel Goswell deu um show de simpatia, seja fazendo mímica das letras, tocando guitarra ou simplesmente interagindo com a plateia. O setlist do Slowdive foi impecável: escolheram as melhores faixas de Pygmalion ("Crazy for You", "Blue Skied An' Clear"), Slowdive ("Star Roving", "Sugar for the Pill") e do álbum novo, Everything Is Alive ("Kisses"), e ainda fecharam com 3 faixas do Souvlaki que estão entre minhas favoritas da banda: "Alison", "When The Sun Hits" e "40 Days". 


Além disso, tocaram o primeiro single deles, a autointitulada "Slowdive"! Pulei de alegria quando ela começou; embora estivesse no set do show solo que fizeram em São Paulo no dia 30/11, eu não achava que ela ia entrar na apresentação do Primavera Sound. Felizmente estava equivocado! "Slowdive, you can't touch me now..."

Em suma, uma das maiores bandas de shoegaze fez um belo show, e ainda foram agraciados com o pôr do sol ocorrendo durante a apresentação deles. Era um dos concertos que eu mais queria ver no Primavera (ouço Slowdive desde 2006 e Souvlaki está na minha lista de 20 melhores discos da década de 1990), e saí mais do que satisfeito.

Eram 18h25, e como o próximo show que eu pretendia ver era só às 19h50, finalmente tive tempo para marcar de encontrar o pessoal dos dois grupos. Marquei em um "tapete" verde que ficava perto do Palco Barcelona. Vieram a Nicolle e a Jacqueline de um dos grupos e o Guilherme do outro. Foi bem legal fazer esse crossover

Enquanto estávamos lá deu para ouvir o show da Marisa Monte na íntegra - nada que me interessasse muito, mas gostei da homenagem à Rita Lee no final, quando ela convidou o viúvo Roberto de Carvalho para tocar em "Doce Vampiro" e "Mania de Você".

Iríamos ver juntos os Pet Shop Boys, mas foquei tanto em desbravar a multidão para chegar o mais próximo possível do palco que os novos colegas acabaram ficando para trás - mas, pelo que me contaram, ainda assim ficaram em boas posições para assistir ao show.


5) Pet Shop Boys: o melhor show do 1º dia do festival, tanto em termos de produção de palco (caprichadíssima!) quanto de repertório, pois todos os grandes hits da melhor fase da banda (1985-1993) foram executados. Os melhores momentos foram "Suburbia", "Opportunities (Let's Make Lots of Money)", o medley "Where the Streets Have No Name (I Can't Take My Eyes Off You)", "Left To My Own Devices", "Domino Dancing", "Always On My Mind", "It's a Sin" e o excelente bis com "West End Girls" (minha preferida do PSB, até mesmo porque foi a 1ª deles que ouvi, em 1997) e "Being Boring". Além disso, escolheram bem as faixas mais recentes, como "Dreamland" (2020). O vocal de Neil Tennant - que, para minha surpresa, já tem 69 anos de idade! - está intacto.

Ainda bem que decidi dar nota para os meus CDs do Pet Shop Boys na semana anterior ao festival no Album of the Year, pois aproveitei para explorar a discografia deles. Com isso, conhecia todas as faixas que tocaram no show, mesmo as que não são tão famosas, como "I Don't Know What You Want But I Can't Give It Any More" (1999). Em suas quatro décadas de carreira, Neil e Chris Lowe continuam desenvolvendo uma combinação rara de música abertamente pop com letras inteligentes.


6) The Killers: foi uma ótima performance, e poderia ter sido até mesmo a melhor de sábado se dois clássicos não tivessem ficado de fora do setlist: "Jenny Was A Friend of Mine" e "Sam's Town". Havia pelo menos 4 faixas medianas dos discos mais recentes ("The Way It Was", "Shot at the Night", "In the Car Outside" e "Caution") que poderiam perfeitamente ter cedido lugar a pelo menos uma delas. Outras canções dos melhores álbuns da banda, Hot Fuss (2004) e Sam's Town (2006) - ou mesmo alguns dos B-sides de Sawdust (2007) -, também poderiam ter entrado no set, até porque na antevéspera os Killers tocaram duas delas no show solo no Tokio Marine Hall: "This River is Wild" e "Under the Gun".

Devo concordar com Marcelo Costa, do Scream & Yell: "Quando o Killers perceber, tal qual o Interpol, que a única coisa que vale a pena na sua discografia são os dois primeiros discos, e decidir sair em turnê tocando os dois na integra, teremos um show impecável para se acabar de cantar e pular".


Feitas essas ressalvas, Brandon Flowers é um showman dos mais cativantes e empolgantes; o baterista Ronnie Vannucci Jr. também mandou muito bem (o que me fez sentir mais ainda a ausência de "Jenny", uma das canções deles com melhor som de bateria). Faixas épicas como "All These Things That I've Done", "When You Were Young" e "Human" ficam ainda melhores ao vivo. Dentre as canções pós-Day & Age (2008), a melhor foi "The Man", que é dançante e tem uma letra adoravelmente marrenta. Ah, e vale ressaltar que os Killers abriram a apresentação com "Mr. Brightside", deixando a plateia eletrizada desde os primeiros instantes.

Assim que acabou o último show da noite, marquei de encontrar o pessoal de um dos grupos de WhatsApp perto do letreiro do festival. Voltamos juntos para a estação de trem do Autódromo. Foi uma longa caminhada, realçada pela fila enorme para entrar na estação. Só cheguei no apartamento em torno de 1h30 da manhã. Ainda enérgico por um dia tão intenso, só dormi cerca de uma hora depois.


Acordei espontaneamente às 6 da manhã. Tomei café da manhã novamente no McDonald's - desta vez, um queijo quente (estava com saudades dele!) e um café com leite. Fiquei conversando com minha esposa e com o pessoal dos grupos de WhatsApp enquanto ouvia no YouTube canções do Just Mustard e do Soccer Mommy que possivelmente seriam tocadas ao vivo. Fui almoçar às 11h num restaurante lá perto, e foi uma ótima escolha: o prato de macarrão ao molho de tomate - e com o queijo ralado que adicionei - com costela de boi estava delicioso, e era tão grande (servia facilmente 2 pessoas) que levei num isopor o que não consegui comer - seria meu café da manhã do dia seguinte, rs!

O 2º dia do "Prima" manteve o altíssimo nível do festival! Cheguei às 13h35 e fui direto para os shows; sendo assim, faço a seguir uma breve resenha daqueles em que fui:


7) Just Mustard: é uma banda na melhor tradição shoegaze de vocais etéreos e angelicais e guitarras distorcidas - e com o bônus de uma bateria proeminente. Mesmo tendo que encarar o calor de 35º, valeu a pena chegar cedo para o show deles. Os destaques da apresentação foram "Curtains" (cujo efeito tremolo na guitarra lembra o de "Only Shallow", dos também irlandeses My Bloody Valentine) e as ótimas "Deaf", "Frank" e "I Am You". Não sei se era timidez ou calor, mas a banda pouco interagiu com o público - o que não impediu que eu e as pessoas próximas puxássemos um "Just Mustard! Just Mustard!". Dias depois descobri que eles estão abrindo vários shows para o The Cure; digamos que Robert Smith tem bom gosto.


8) Soccer Mommy: a sonoridade bem melódica de Sophia Allison e cia. é um indie pop/rock com elementos de dream pop. Foi um show bem agradável; combinou bem com o ar mais fresco (devido à sombra) do Palco Barcelona. As melhores faixas foram "Circle The Drain", "Shotgun" e "Your Dog", mas o setlist como um todo foi muito bom - tanto que foi uma das bandas que mais ouvi nos dias seguintes ao festival.


Como o próximo show que eu realmente queria ver era o do Beck (mas busquei ficar perto do palco da Carly Rae para pelo menos ouvir o show dela), aproveitei para fazer uma pausa na maratona e combinar de encontrar de novo o pessoal dos grupos. 
Já na saída do show do Soccer Mommy encontrei por acaso o Guilherme. Pouco depois mandei mensagem para a Nicolle, que estava por perto, e ela veio com duas colegas. Conversamos um pouco, mas depois disso houve uma dispersão: o Guilherme foi ver a Marina Sena, as meninas foram para o Bad Religion e eu e a Nicolle queríamos assistir à dobradinha Beck + The Cure.

(Digressão: não fui ao Bad Religion - banda que, aliás, já vi ao vivo em Brasília em 2011 -, mas foi por um bom motivo - chegar às 17h no Palco Corona, no qual o Beck tocaria às 17h40 e o The Cure, às 20h25.)


9) Carly Rae Jepsen: o show mais explicitamente pop do dia. Não é muito meu estilo, então aproveitei para descansar lá perto, e aproveitei para tirar esta foto. Ou seja, eu mais ouvi do que vi a apresentação. De toda forma, gostei de "Run Away With Me" e "I Really Like You", do groove de "Talking to Yourself" e, é claro, do maior hit dela, "Call Me Maybe".

Assim que acabou o show dela e o público que estava lá só pela Carly Rae se dispersou, eu e a Nicolle nos preparamos para a maratona (p.ex., encher as garrafinhas de água nos bebedouros gratuitos) e fomos para o Palco Corona 40 minutos antes do próximo show. Valeu a pena, pois ficamos em uma posição de ótima visibilidade, até melhor do que eu previa que conseguiríamos.


10) Beck: embora já gostasse dele há alguns anos (tenho 6 CDs: Odelay, Mutations, Guero, Sea Change - o qual adquiri dias antes do festival -, Mellow Gold e Midnite Vultures - os dois últimos eu comprei anteontem, ainda movido pelo entusiasmo pós-show), nunca tinha visto um vídeo dele ao vivo, então fui pego totalmente desprevenido por sua enorme energia no palco! 

Foi um showzaço, com várias faixas empolgantes como "Devils Haircut", "Mixed Bizness", "The New Pollution", "Qué Onda Guero", "Girl", "Loser", "Where's It At" e "E-Pro" (a minha favorita dele, e também aquela em que mais pulei, rs). Gosto muito do estilo pós-moderno do Beck, que não respeita barreiras entre gêneros e faz uma música que mistura folk, hip hop, R&B, funk, rock alternativo, country, eletrônica etc.


Parte do que tornou o show tão divertido é que havia um grupo de amigas pernambucanas bem animadas perto de mim. Elas pareciam ser bem fãs do cantor compositor, e aproveitavam qualquer brecha para soltar pérolas como "Beck, tô solteira!" e "Fabiaaaana [amiga delas], cadê você?".

O final foi bem inusitado, com Beck pegando sua gaita para tocar a lo-fi "One Foot in the Grave". Se uma das pendências da minha trajetória de festivais foi ter perdido o show dele no Planeta Terra 2013 porque colocaram no mesmo horário do Blur, ela foi devidamente paga pela incrível performance daquele domingo.

Conversei bastante com a Nicolle nas duas horas que antecederam o show do The Cure. Fiquei feliz de ter feito uma amizade com alguém de gosto musical parecido ao meu! Aliás, percebi que a música é o fenômeno que me deixa mais extrovertido, eufórico, comunicativo e aberto às pessoas; foram raríssimas as vezes na minha vida (por sinal, quase todas elas em festivais) que puxei tanto papo com quem estava à volta, rs.

Pontualmente às 20h25, começou o show mais aguardado do Primavera Sound 2023...

11) The Cure: sem dúvidas o melhor show do dia e do festival. Diria até que foi melhor do que o show deles em que fui no HSBC Arena, em 2013; teve 11 faixas a menos (29 x 40), mas tiraram os "fillers" (leia-se: só tem uma faixa do Wild Mood Swings [1996] e nenhuma dos três discos seguintes) e o próprio estilo expansivo da música do Cure combina mais com uma apresentação ao ar livre do que com um ambiente fechado. 

Todas as fases da banda foram bem representadas: as canções longas e atmosféricas, as góticas, as dançantes, as românticas, o jangle pop... E ainda tocaram "Charlotte Sometimes", o que foi uma grata surpresa, pois ela não estava no setlist da apresentação deles na Argentina!

Os destaques do show foram muitos, mas vou me limitar a citar 12 das 29 canções tocadas: no primeiro ato, "Lovesong", "Inbetween Days", "Just Like Heaven" e o trio do Seventeen Seconds composto por "At Night", "Play for Today" e "A Forest"; no bis / segundo ato, "Disintegration" e a própria "Charlotte Sometimes"; no terceiro ato (ou segundo bis) os melhores momentos foram a beleza gótica de "Lullaby", a eletrizante "The Walk" e as animadas e fofinhas "Friday I'm in Love" e "Boys Don't Cry".

As canções novas, que possivelmente entrarão em um novo álbum, o qual Robert Smith nomeou Songs in a Lost World, parecem promissoras  - particularmente "Alone", que tem uma letra bem melancólica; porém, uma delas ("Endsong") soou meio arrastada, e fiquei até meio distraído enquanto ela não terminava sua longa introdução instrumental. Tudo bem, isso é perdoável, é parte da própria "experiência Cure", e serviu para dar um respiro para a reta final do show, onde a banda caprichosamente concentrou seus maiores hits, como se fosse uma recompensa para aqueles que atravessaram a etapa mais introspectiva e soturna da performance.

Já que vários sites (Scream & YellG1, Estadão, Tenho Mais Discos Que Amigos) fizeram um ranking dos shows do Primavera Sound, resolvi fazer o meu próprio. Os critérios são bem subjetivos, mas também tentei me pautar por certa objetividade (p.ex., consistência do setlist, o que tirou pontos dos Killers mas favoreceu os PSB e o Slowdive). Se fosse uma tier list, os dois primeiros ficariam no S, do 3º ao 7º colocados é um empate técnico com todos no A, o 8º e o 9º foram B e o 10º e o 11º, C. Vou indicar essa hierarquia por cores:

1º The Cure

2º Pet Shop Boys

3º Beck

4º The Killers

5º Slowdive

6º The Hives

7º Metric

8º Soccer Mommy 

9º Just Mustard

10 - Carly Rae Jepsen (com a ressalva de que este eu mais ouvi do que vi)

11º Black Midi


23h05. O "Prima" chegava ao fim. Após me despedir da Nicolle (que foi encontrar o pessoal da excursão com quem veio ao festival), encontrei a Luana e a Fernanda - duas das garotas do grupo com quem eu tinha voltado no trem na noite anterior - e uma amiga delas. Dessa vez teve bem menos fila para voltar para casa, até porque muita gente resolveu comprar a passagem do trem expresso após verem a fila mínima para este na entrada da estação no dia anterior. Curiosamente isso virou uma situação à la "a lebre e a tartaruga": tanta gente decidiu pelo expresso que a fila "comum" - de quem só pagou a passagem normal de trem/metrô - ficou menor que a do próprio expresso, rs.

Cheguei no apartamento no mesmo horário (1h30), sempre andando perto de outras pessoas, até porque o bairro em que estava hospedado (República), mesmo sendo boêmio - literalmente do outro lado da rua do prédio havia o Bar Brahma - e bem iluminado, tinha alguns transeuntes meio suspeitos, e não era bom ficar dando mole.

Dessa vez peguei no sono em torno de 2 da manhã, e novamente acordei às 6h. Comi o supramencionado café-almoço (macarrão com costela), postei no Twitter e no Instagram fotos e resenhas dos shows de domingo, arrumei as malas e o apartamento e parti para a rodoviária. Enquanto esperava o ônibus embarcar, comprei no estande da Livraria Leitura na rodoviária, por apenas R$ 13,90, um livro do Hayek (O Renascimento do Liberalismo) que eu quase havia comprado na volta da viagem anterior para São Paulo. Já faz um bom tempo que não comungo da ideologia liberista da Escola Austríaca, mas de qualquer maneira era um bom preço por um livro de um autor que posso vir a ler no futuro por um pretexto ou outro. Fiquei um tempo na Sala VIP da 1001, e o embarque atrasou um pouco. Do meu lado e no banco da frente vieram um rapaz e duas moças que foram ao outro grande evento ocorrido em SP naquele fim de semana: a CCXP (Comic-Con). Achei engraçado que o menino não fazia ideia do que era o Primavera Sound - bom, cada um com sua respectiva cultura pop, rs.

Na volta para casa fiquei ouvindo duas playlists: a de Beck e a de The Cure. Tive que esperar meia hora na rodoviária até o preço do Uber baixar, e enfim cheguei em casa às 18h30. Assim que a Carolina chegou em casa, contei para ela a jornada narrada até aqui.

***

Vamos às considerações finais. No dia seguinte ao festival, li o seguinte tweet: "talvez pareça que o sentido da minha vida seja apenas ver shows e é. é isso mesmo". Estou me sentindo exatamente assim após o Primavera Sound. Incrível a capacidade de um festival renovar as energias e também servir de marco importante na minha vida. Isso já tinha acontecido comigo antes (Planeta Terra 2010: o ápice da época universitária; Planeta Terra 2011: a despedida dessa época, pois uma semana antes eu tinha defendido minha monografia; Planeta Terra 2012: a redenção de um ano complicado; Planeta Terra 2013: o primeiro festival em que fui com a Carolina; Rock in Rio 2019: em meio a um dos anos mais difíceis da minha vida, fui a um grande parque de diversões que teve como inusitada atração um show épico do King Crimson), mas dessa vez a sensação foi mais forte. 

O festival foi há 10 dias, mas na minha cabeça parece que ele continua, pois ainda estou ouvindo sem parar as bandas em cujos shows eu fui. Ontem fiz uma playlist de Metric, e na semana passada vi no Globoplay dois dos shows que não pude assistir ao vivo: Cansei de ser Sexy e Bad Religion. 

O do CSS foi simpático: os vídeos no telão mostravam que a banda de reputação hipster (vide paródia do Hermes & Renato: "Também Sou Hype") hoje em dia não tem medo de se assumir cringe; o setlist contou com algumas das minhas favoritas ("Music Is My Hot Hot Sex", "This Month, Day 10", "Let's Make Love and Listen to Death from Above", "City Grrrl" e "Alala")e Luísa LoveFoxxx aproveitou o espaço para contar como saiu de uma depressão e como estava feliz de estar novamente tocando para um grande público - e de fato na plateia havia muita gente da minha faixa etária (30-35 anos) que ouvia muito a banda na adolescência e estava feliz com o retorno. 

Já a lendária banda punk de Los Angeles fez um bom show, com muitas rodinhas na animada plateia e a execução de clássicos como "Infected", "21st Century (Digital Boy)", "You", "American Jesus" e "Sorrow", mas achei que o setlist não foi tão bom quanto aquele que vi em Brasília 12 anos atrás - mas talvez seja apenas porque tocaram muitas canções recentes, e eu conheço mais as faixas deles dos anos 80 e 90.

(Digressão: nos últimos dias também assisti ao concerto do Blur no Primavera argentino, que disponibilizaram na íntegra no YouTube. Damon Albarn disse repetidas vezes que era o último da história da banda. Se é verdade ou não, o show foi por vezes errático - Damon parecia meio "alterado" -, mas nem por isso menos emocionante)

Enfim, ir ao "Prima" foi uma experiência muito boa, e certamente fechará - ao lado do show do Paul McCartney no qual vou sábado que vem! - 2023 em grande estilo. Foi um dos melhores anos da minha vida - certamente o melhor desde 2015.


P.S.: Hora de revelar o "bom motivo pessoal" que citei no início do texto para a Carolina não ter ido ao festival: ela está grávida; nós vamos ser pais! 😊 Ela já está com 18 semanas de gravidez, e o bebê está previsto para nascer em Maio. Esta foi outra boa razão para o festival ter me marcado tanto: foi uma "despedida" de uma etapa da minha vida, pois daqui em diante terei o desafio da paternidade e quem sabe, daqui a uns anos, um(a) companheirinho(a) para ir aos shows comigo!

01 dezembro 2023

Spring Time

Estou viajando para São Paulo para ir aos dois dias do Primavera Sound! Estou bem ansioso pelo festival! Pretendo ver os shows de: Black Midi, Metric, The Hives, Slowdive, Pet Shop Boys e The Killers (sábado); Just Mustard, Soccer Mommy, Carly Rae Jespen, Beck e The Cure (domingo).

31 outubro 2023

Captain leads his dance right on through the night - join the dance...



O segundo grande álbum de rock progressivo que faz 50 anos neste mês de Outubro é Selling England By The Pound, cuja data oficial de lançamento é 12 de Outubro de 1973.* Este disco não apenas é a obra-prima do Genesis, mas também um melhores LPs de rock lançados nos anos 70.

Selling England... é o quinto álbum de estúdio do Genesis, e o terceiro com a formação clássica da banda (1971-1975), composta por Peter Gabriel (vocais, flauta, oboé, percussão), Tony Banks (órgão, piano, Mellotron, guitarra de 12 cordas), Mike Rutherford (baixo, cítara elétrica, violoncelo, guitarra de 12 cordas), Steve Hackett  (guitarras) e Phil Collins (bateria, percussão e backing vocals).  A banda vinha crescendo a cada disco, e este LP de 1973 é o trabalho mais consistente e magnífico dessa formação do Genesis - ainda que Foxtrot (1972) e The Lamb Lies Down on Broadway (1974) também sejam de altíssimo nível. 

Dave Connolly é preciso em sua análise: "O rock progressivo é uma espécie de narrativa [storytelling] musical. Os dois álbuns anteriores do Genesis, Nursery Cryme [1971] e Foxtrot, certamente se enquadram nessa descrição. Talvez até Trespass [1970] também. Mas Selling England By The Pound elevou a discussão com sons que pareciam um conto de fantasia ganhando vida. As guitarras de Stephen Hackett, os teclados de Tony Banks e os vocais de Peter Gabriel são quase sobrenaturais em sua expressão. Adicione a seção rítmica de Phil Collins e Michael Rutherford e você terá algumas das músicas mais sublimes de todos os tempos."

As três primeiras faixas também são as melhores do disco, formando uma tríade espetacular:

1) "Dancing With The Moonlit Knight", cujo título provisório era "Disney", abre o disco com uma declamação melancolicamente patriótica: "'Can you tell me where my country lies?' / Said the unifaun to his true love's eyes / 'It lies with me!' cried the Queen of Maybe / For her merchandise, he traded in his prize". Junte-se a isso uma atmosfera medieval, com sonoridade céltica, e temos o que George Starostin definiu como "uma declaração trágica do estado atual da Grã-Bretanha, uma lamentação sobre o enorme e intransponível fosso entre o passado romântico e o presente corrupto." A canção vai ganhando vigor, com Gabriel cantando mais alto no refrão e vários solos curtos de guitarra de Hackett, e os dois minutos finais da faixa, também de acordo com Starostin, são "definitivamente um dos momentos mais fascinantes de 'beleza meditativa' que podem ser encontrados no catálogo do Genesis".

2) "I Know What I Like (In Your Wardrobe)" foi o 1º single bem-sucedido da banda, tendo alcançado o 21º lugar das paradas britânicas. É possível que ela tenha conseguido esse feito porque, apesar de ter uma sonoridade progressiva e até mesmo psicodélica, também possui forte apelo pop: a melodia é irresistível; há um flerte estilístico com o glam rock (inclusive na temática sugestivamente andrógina da letra: "Getting better in your wardrobe / Stepping one beyond your show"), o qual estava em seu ápice comercial na Inglaterra; por fim sua duração relativamente "radiofônica" (cerca de 4 minutos, em meio a um disco no qual metade das canções tinha mais de 8 min);

3) "Firth of Fifth", segundo John McFerrin (que concedeu a Selling England... uma das raríssimas notas máximas, "10 (Olympian)", em seu site de resenhas musicais), é um dos melhores momentos do álbum do ponto de vista sonoro: "No que diz respeito à melodia, aos arranjos e principalmente à estrutura, é praticamente a composição progressiva perfeita."

Após três faixas tão exuberantes, Selling England By The Pound concede ao ouvinte uma pausa para respirar na curta e delicada canção acústica "More Fool Me", a primeira da banda a ser composta e cantada por Phil Collins.

O Lado B é aberto pela canção mais longa do disco: "The Battle Of Epping Forest". Ela trata de forma ficcional das lutas de gangues na Inglaterra. É a faixa mais irreverente do disco; Gabriel inclusive emula a voz dos personagens com sotaque hilários. Um dos meus trechos preferidos da letra é sobre o reverendo: "He told me of his strange foundation / Conceived on sight of the Woodstock nation / He'd had to hide his reputation / When poor, 'twas salvation from door to door / But now, with a pin-up guru every week / It's Love, Peace & Truth Incorporated for all who seek."

"After The Ordeal" é um interlúdio instrumental que serve para preparar o ouvinte para outra canção épica (tanto na duração quanto na qualidade): "The Cinema Show", a qual trata dos preparativos para o encontro de um casal, sugestivamente um Romeo e uma Juliet. As expectativas de ambos não poderiam ser mais elevadas: "She dabs her skin with pretty smells / Concealing to appeal / (...) I will make my bed / With her tonight, he cries". A segunda metade da faixa é uma fantástica viagem instrumental, com destaque para os teclados de Tony Banks. 

"Aisle Of Plenty" fecha o álbum repetindo a melodia de "Dancing With The Moonlight", mas com um tema que, comparado ao resto do disco, soa desconcertantemente prosaico - anúncios de supermercado: "English ribs of beef cut down to 47p lb / Peek freans family assorted from 17 1/2 to 12 / Fairy liquid giant - slashed from 20p to 17 1/2 /  Table jellys at 4p each / Anchor butter down to 11p for a 1/2/ Birds Eye dairy cream sponge on offer this week".

Selling England By The Pound foi o maior êxito comercial do Genesis até aquele ponto da carreira da banda: alcançou o 3º lugar das paradas britânicas e o 70º da Billboard (EUA). Mesmo quando o conjunto, já sem Gabriel e Hackett, mudou gradualmente de estilo ao longo dos anos, adotando uma sonoridade mais pop e com uma audiência global cada vez maior, este álbum continuou sendo um dos mais queridos pelos fãs - que foram amplamente recompensados na turnê final do Genesis em 2021-22, cujo setlist continha metade das faixas do álbum (e justamente as melhores): "Dancing With the Moonlit Knight", "Firth of Fifth", "I Know What I Like (In Your Wardrobe)" e "The Cinema Show".

Meu veredicto sobre Selling England... não está distante da análise entusiasmada de McFerrin: "Nunca antes e nunca mais na história do rock progressivo alguém pode encontrar uma confluência tão perfeita de atmosfera, letras bombásticas e ainda assim inteligentes, melodias cativantes, estruturas musicais complicadas e (...) arranjos constantemente divertidos e frequentemente lindos."

* Há, contudo, uma fonte que indica que Selling England.... teria chegado às lojas 14 dias antes, em 28 de Setembro.

21 outubro 2023

Now your mind is floating cool and you can find the way


Este mês de Outubro marcou o 50º aniversário de dois dos melhores álbuns de rock progressivo. Hoje falarei do primeiro deles, Ashes Are Burning (Renaissance), lançado em 10 de Outubro de 1973.

O Renaissance foi muito bem definido por George Starostin: "Se o Black Sabbath foram os demônios do rock, o Renaissance eram seus anjos: é difícil imaginar qualquer outra banda que fosse mais 'angelical', mais leve, doce e com influência clássica do que o Renaissance." E não há disco da banda que represente melhor esse caráter angelical do que o clima bucólico e fantasioso evocado por Ashes Are Burning, a obra-prima do Renaissance - ainda que seguida bem de perto por Sheherazade And Other Stories (1975).

A banda, contudo, começou em 1969 na Inglaterra como um dos espólios dos Yardbirds, o lendário conjunto de blues rock que chegou a incluir Eric Clapton, Jeff Beck e Jimmy Page. Em sua primeira formação, a qual já tinha o propósito de fazer experimentos com rock, folk e música clássica, o Renaissance era composto pelos irmãos Keith (vocais e guitarra) e Jane Relf (vocais), Jim McCarty (bateria), Louis Cannamo (baixo) e John Hawken (piano). Após dois álbuns, essa formação já tinha se dissolvido, e aos poucos foram entrando os cinco integrantes da formação clássica, que duraria até o fim da década de 70: o guitarrista Michael Dunford, o tecladista John Tout, o baixista Jon Camp, o baterista Terry Sullivan e a vocalista Annie Haslam - a única que continua tocando com o Renaissance até hoje em dia, tendo inclusive participado da turnê que passou pelo Brasil em Junho do ano passado (e da qual pude assistir aos shows em Niterói e no Rio de Janeiro).

O terceiro álbum do Renaissance, Prologue (1972), foi o primeiro LP dessa formação clássica, e já apresenta fortes indícios da qualidade do quinteto em faixas como "Prologue", "Kiev" e "Rajah Khan". É, contudo, em Ashes Are Burning que a banda mostra todo o seu potencial sonoro - e lírico, com ótimas letras escritas por Betty Thatcher (Dunford enviava fitas das composições para ela, que então compunha os versos). Starostin teceu um comentário certeiro sobre este disco: "Tudo no álbum é impregnado daquele estilo romântico medieval, resplandecente e caloroso, desde a pitoresca capa até as letras graciosas e os arranjos de cordas arrebatadores."

Apenas duas das seis faixas de Ashes Are Burning ("On The Frontier" e "At The Harbour") não se tornaram clássicos do repertório do Renaissance - e mesmo ambas são muito boas e contribuem para a elevada consistência do LP.

Quanto às quatro canções que se tornaram favoritas dos fãs, a faixa de abertura "Can You Understand?" foi a 1ª do Renaissance que eu ouvi, e foi amor à primeira audição. Lembro até hoje da primeira vez que a ouvi: em Março de 2019, quando estava catalogando os livros da minha ex-orientadora de doutorado Alba Zaluar (1942-2019). Na época eu estava no auge do meu vício por rock progressivo, e "Can You Understand?" me fisgou imediatamente com sua melodia cativante. Todos os elementos contribuem para sua grandeza: o piano de Tout na abertura, o baixo proeminente de Camp, a guitarra acústica de Dunford, a boa levada de bateria de Sullivan, os arranjos orquestrais e, é claro, os belos vocais de Haslam. A letra tem uma temática hippie e faz jogos de palavras interessantes ("Open up your eyes and make the day shine sunshine now / Open up your dreams and and make the way shine sunshine now / (...) Open up your life and make your lifetime sunshine now / Open up your soul and make your lifeline sunshine now"). Por fim, a estrutura sinfônica também merece destaque, com empolgantes mudanças de ritmo a longo de quase 10 minutos que nem parecem longos.

"Let It Grow" é um daqueles casos curiosos em que uma faixa só é hit no Brasil. Embora seja uma excelente balada, com uma letra bem romântica ("It's got to be slow, talking love the only way / It's got to just flow, making love and taking time to let it grow") e vocais magníficos de Annie Haslam, ela não fez tanto sucesso com as plateias do Atlântico Norte, mas foi presença obrigatória nos setlists dos shows que o Renaissance fez no Brasil em 2017 e 2022.

"Carpet Of The Sun" é a faixa mais próxima da estrutura de uma canção pop, com menos de 4 minutos e justaposição tradicional de versos e refrões - e ainda por cima embelezada por toques orquestrais. É uma das faixas do Renaissance mais queridas pelos fãs; não por acaso, segundo o Setlist.fm, é a canção mais tocada nos shows da banda, ao lado de "Mother Russia".

A faixa-título é um dos destaques de Ashes Are Burning, com uma sonoridade épica, momentos de primazia para o baixo de Jon Camp e mais uma grande performance vocal de Haslam. Fugindo um pouco à estética predominantemente folk/acústica do resto do álbum, e "Ashes Are Burning" conta com um solo de guitarra elétrica de Andy Powell (Wishbone Ash). Quando executada ao vivo, essa canção ganhava uma versão estendida, com mais espaço para os solos instrumentais; em alguns casos, chegava a ter o dobro da duração original, como no ótimo álbum ao vivo Live At Carnegie Hall (1976).

Embora não tenha entrado nas paradas britânicas, a banda acabou tendo mais sucesso nos Estados Unidos, onde Ashes Are Burning chegou ao 171º lugar da Billboard. O encarte da coletânea Tales of 1001 Nights (1990) contém uma explicação plausível para essa popularidade do outro lado do Atlântico: "A exposição da audiência [às canções geralmente longas da banda] era consideravelmente restrita às estações de rádio FM comerciais de formato livre ou às universitárias, cujos ouvintes revelaram-se abertos à sua música. Embora o Renaissance tivesse fãs em todo o mundo, esse público tendia a se concentrar no Nordeste dos Estados Unidos, ao longo do corredor Boston-Washington (a Filadélfia e a área metropolitana de Nova York sempre foram os principais centros do fandom do Renaissance)." Cabe mencionar o Brasil como outro pólo de fãs da banda, em particular deste álbum; de acordo com o Discogs, somente o Japão e os EUA tiveram tantas ou mais reedições em LP e CD de Ashes Are Burning. Considerando que o público brasileiro da época que consumia rock gostava bastante de canções de estética hippie (seja pela via folk/acústica ou pela psicodélica/progressiva), o "cult following" do Renaissance em nosso país também é compreensível.

Ashes Are Burning pode não ser tão popular ou badalado quanto outros discos de rock progressivo da mesma época gravados por bandas como Yes, Genesis, Pink Floyd ou Emerson, Lake & Palmer, mas merece ser tão valorizado quanto eles. Além disso, é uma boa porta de entrada nesse subgênero de rock para quem gosta de vocais femininos, música sinfônica com forte influência de temas clássicos e um estilo mais melódico, bucólico... e angelical.

27 setembro 2023

You see, my life, it's a series of compromises anyway


Há 25 anos (e 20 dias), em 7 de Setembro de 1998, a banda britânica Mansun lançou Six, seu segundo álbum de estúdio. Em um tour de force dos mais ousados, este é um autêntico disco de rock progressivo feito por uma banda que até então estava identificada com o britpop e que vinha de um grande êxito comercial: Attack Of The Grey Lantern (1997), o debut do Mansun, alcançara o 1º lugar nas paradas britânicas desbancando nada menos que o álbum homônimo do Blur, que havia sido o #1 na semana anterior.

Embora Attack of the Grey Lantern já tivesse um espírito experimental ao combinar elementos de glam, art rock, Madchester e pop psicodélico, além de ser um trabalho semi-conceitual (há um ciclo de canções sobre um super-herói - o "Lanterna Cinza" - e os tipos sociais excêntricos com quem ele interage, como "Taxloss", "Stripper Vicar", "Egg Shaped Fred" e "Dark Mavis"),  a banda foi além em Six: pode-se dizer que este é um álbum conceitual de teor pessimista, como bem argumenta este artigo de Ed Biggs para a The Student Playlist: "Six é quase incessantemente sombrio e difícil de realmente desbloquear, mesmo depois de várias audições. Abandonando os personagens satíricos (...) Six lidava com uma colcha de retalhos de emoções humanas quase uniformemente negativas, como obsessão, desordem, depressão e alienação. Você no mínimo entraria em contato com Paul Draper nas redes sociais se descobrisse os manuscritos de suas letras para Six. A música que acompanha essas emoções serve tanto para reforçar quanto para compensar sua rigidez, então você nunca tem certeza se Draper e Mansun devem ser levados a sério." 

Além disso, cabe observar que um possível antecessor no pop/rock britânico dos anos 90 para as tonalidades sombrias e autodepreciativas de Six é The Holy Bible (1994), o terceiro e melhor álbum dos Manic Street Preachers, e também o último com o letrista e guitarrista Richey Edwards antes de seu desaparecimento (e possível suicídio), em 1995.

A própria capa do disco tem uma estética bem típica do rock progressivo, com várias referências culturais, inclusive uma pilha de livros que contém 1984 (George Orwell), 120 Dias de Sodoma (Marquês de Sade), O Livro de Mórmon (Joseph Smith) e até livros que não existem, como Life as a Series of Compromises (Graham Langdon).

O disco se chama Six segundo Paul Draper (vocalista, letrista, guitarrista e produtor da banda), porque se refere "ao personagem de Patrick McGoohan que ele criou para si mesmo no programa de TV dos anos 1960, The Prisoner. Seu personagem era conhecido simplesmente como Número 6 e ele era prisioneiro em uma vila. É claro que o título do álbum se refere a mim mesmo. Depois de toda a loucura de 'Attack of the Grey Lantern' atingir o primeiro lugar nas paradas de álbuns, foi isso que eu senti que havia me tornado; morando em hotéis, aeroportos e ônibus de turismo, prisioneiro de registro comercial". Por coincidência, na mesma época o guitarrista Dominic Chad, que é fã de A. A. Milne, criador do Ursinho Pooh, estava lendo um livro de poemas de Milne chamado Now We Are Six (1924). Aliás, as coincidências envolvendo o número 6 se estenderam à colocação nas paradas britânicas, pois Six estreou em 6º lugar.

A faixa-título, em seus dois primeiros minutos, apresenta-se como uma canção melódica com letra resignada ("And you see, I kind of shivered to conformity / Did you see, the way I cowered to authority"); porém, a partir de um súbito riff de guitarra raivoso, começa uma montanha-russa sonora que envolve passagens psicodélicas, furiosas e um eventual retorno mais intenso à sonoridade dos minutos iniciais. "Six" contém os versos centrais da filosofia pessimista do álbum: "Life is a compromise anyway / And it's a sham, and I'll accept it all".



"Negative", que foi o terceiro single de Six, talvez seja a faixa do disco que tem formato mais palatável para o sucesso radiofônico - e ainda assim a letra faz jus ao título e é um primor de negatividade, ainda que com toques sarcásticos: "My future's looking positive / No one even picked on me today (...) You convert to Scientology / To feel part of something once again".



"Shotgun" começa como um punk acelerado e animado com certas guinadas ao glam, mas depois de um minuto e meio revela sua verdadeira face: uma canção lenta e sorumbática, no qual o eu-lírico anseia por uma visão de mundo mais ingênua que pudesse livrá-lo de sua melancolia: "The simple of thought inherit the Earth / Like Winnie-the-Pooh, Confucianist rules / Oblivious in what I do".

A bela vinheta "Inverse Midas" é a única faixa de Six que foi composta por Dominic Chad, embora o instrumento que ele toca na faixa seja um piano. Ela inicia o medley do disco, que vai das faixas 4 a 7, em um momento à la Abbey Road - e a influência da suíte do Lado B deste álbum dos Beatles foi admitida pelo próprio Paul Draper.

A suíte segue imediatamente com "Anti Everything", uma canção de atmosfera mais irreverente, com uma guitarra que parece fazer esguichos. Se quisermos fazer uma analogia com Abbey Road, seria o equivalente de "Mean Mr. Mustard" neste medley.

"Fall Out" é uma faixa esquizofrênica: começa com um sample da "Dança da Fada Açucarada" (trecho do Quebra Nozes de Tchaikovsky) e depois se torna uma canção com estilo parecido com o do Suede, com um ritmo dançante conduzido pelo violão que até parece uma antecipação de "She's In Fashion". Há um aspecto sinfônico no sentido de, nos segundos finais, a canção apresentar uma melodia que depois será repetida - e será o pilar - na canção "Legacy". Como bem definiu Ben Scott em artigo para o XS Noize: "neste ponto do álbum, você sente que tudo pode acontecer."

"Serotonin" entra logo em seguida com uma estética mais soturna, algo que também se reflete em sua letra, na qual as drogas preenchem o vazio existencial: "With this method that I've found / I'm redressing all I now / I can change the amount of God / That wraps around me (...) My chemist is the only friend that I've got". Esta também é uma das faixas que revela que a decisão de Paul Draper de autoproduzir Six foi certeira, pois ele era bem criativo nos arranjos.

O épico de 9 minutos "Cancer" é um dos momentos mais sublimes de Six. Os versos tratam de uma desilusão religiosa que se agravou em uma profunda crise existencial: "I'm emotionally raped by Jesus / But somehow I'm still here / What now of my faith / Just a desperate exercise to limit pain / I am weak". No início da segunda metade da faixa, a bela melodia tocada no piano abre o caminho para o retorno dos demais instrumentos, com destaque para o solo de guitarra de Chad. O desfecho de "Cancer" tem toques de psicodelia, e com isso encerra em grande estilo a Parte 1 de Six - um conceito que talvez fizesse mais sentido na era dos LPs (seria o fim do Lado B do primeiro disco) do que na dos CDs (que suportam até 80 minutos de música, sendo que Six possui 70)...

... mas, o Mansun deu um jeito de explicitar o fim de uma parte e o início de outra com um inusitado interlúdio: "Witness to a Murder (Part Two)", um monólogo performado por Tom Baker, ator britânico que interpretou o Doctor Who entre 1974 e 1981. Esta canção contém versos repletos de amargura e frustração: "All my life / What I mistook for friendly pats on the back / Were really the hands that pushed me / Further and further down / The more I struggle the less I achieve".

A magnífica "Television" abre a Parte 2 de Six com baixo proeminente, vocais dobrados, guitarras com sonoridade bem viajante (mas que, antes do refrão, contêm uma distorção bem grunge). A letra, de acordo com Draper,  é "uma descrição muito sombria da paranoia e da solidão de estar preso em hotéis em uma banda de rock em turnê com muito pouco para fazer exceto sexo, drogas e Sky TV... desculpe, quero dizer rock 'n' roll."

"Special/Blown It (Delete As Appropriate)" é uma canção que trata da autossabotagem que o Mansun estava incorrendo (inclusive através de Six), arriscando a popularidade recém-adquirida: "I've blown it in every single way /  Screwed every single chance that came (...) Blew my chances in a tragic flurry, sweeping apathy (...) I could have been somebody special". Ed Biggs observa de forma certeira que tanto essa faixa quanto "Television" revisitam os temas de "Negative", desta vez "a partir da perspectiva de como as mudanças de humor violentamente mutáveis dos protagonistas afetam sua perspectiva do otimismo a um repentino pessimismo". Além disso, quanto à sonoridade, nestas duas faixas o Mansun "dedica um tempo para deixar as músicas se desenrolarem em um ritmo mais tradicional, e isso contribui para uma experiência menos estonteante (head-spinning)".

"Legacy" foi o primeiro e mais bem-sucedido single retirado de Six, alcançando o 7º lugar nas paradas do Reino Unido. Apesar de durar 6 minutos e meio (algo pouco "radio-friendly"), ela tem uma melodia tão envolvente que seu sucesso não é difícil de compreender. Além disso, "Legacy" contém uma das melhores letras do álbum, com direito a um refrão que cita o controverso autor de 120 Dias de Sodoma: "I wouldn't care if I was washed up tomorrow / You see, reading novels is banned by the Marquis de Sade / All relationships are emptying and temporary / Life is wearing me thin / I feel so drained, my legacy / A sea of faces just like me". Na reta final da faixa, a angústia e incerteza da banda se estaria deixando um legado musical  - ou, num sentido mais metafísico, se depois da morte seriam lembrados ou simplesmente tragados pela finitude - se manifesta na repetição quase mântrica do verso "Nobody cares when you're gone". Como se não bastasse tudo isso, o videoclipe de "Legacy" é excelente, e usando marionetes reconta a história do Mansun - muito embora também sirva de alegoria para outras bandas, não só do britpop mas do rock em geral, cujas carreiras também foram meteóricas.

Sobre essa perspectiva soturna que predomina em "Legacy" (e em Six como um todo), cabe citar novamente Ben Scott: "É justo dizer que sempre houve escuridão no coração de Mansun: afinal, eles nomearam a banda em homenagem a um notório serial killer [Charles Manson]. Mas essa música não diz apenas respeito à morte, ela até faz com que a própria vida pareça fútil e sem valor enquanto você a gasta tendo que 'prove your worth to people that you call your friends'. Até a maior alegria do mundo é abafada pela frase recorrente 'All relationships are emptying and temporary'. Ocorreu-me o quão pessimista isso soava para uma banda que tinha acabado de atingir o grande momento (big time). Apesar do sucesso e da fama crescente, essa música não foi obra de uma mente saudável e feliz."


"Being a Girl", durante 2 minutos (que foi inclusive o recorte feito para seu lançamento como single e como clipe) é um delicioso glam-punk de letra andrógina e frustração juvenil na melhor tradição de T. Rex e Bowie: "Being a boy's like sucking on a lemon / And I judge myself by the adverts I see / I feel like being a girl (...) Yeah, how my life never tasted sweeter (...) I'm so boring, my clothes wanna keep / Someone else warm, someone cooler". Nos 6 minutos seguintes, contudo, "Being a Girl" se converte em um space rock à la Pink Floyd, e ainda por cima contém um trocadilho político delicioso: "The only pureness left is preached by Marx".


Não surpreendentemente, a EMI tratou Six como um suicídio comercial do Mansun, e mesmo que o disco tenha estreado no top 10 de álbuns no Reino Unido e todos os seus quatro singles tenham alcançado o top 30 ("Legacy" #7, "Being a Girl" #13, "Negative" #27, "Six" #16), a liberdade criativa concedida para Draper e cia. foi revogada, e o álbum seguinte, Little Kix (2000), já seria cerceado por uma perspectiva mais mercadológica. Ou seja, Six e os B-sides de seus singles (dentre os quais destaco "When The Wind Blows") foram uma oportunidade única para a banda de, estando em uma grande gravadora, lançar um disco ambicioso com um orçamento generoso. O Radiohead, outra banda de espírito experimental e progressivo que tinha contrato com a EMI, teve um destino bem mais afortunado que o do Mansun, pois OK Computer (1997), que também foi temido por alguns executivos da gravadora como um disco comercialmente arriscado, caiu nas graças do público e da crítica. 

De toda forma, ao contrário do que temiam na penúltima faixa do álbum, o Mansun deixou um legado, pois serviu de inspiração para várias bandas contemporâneas (ou da década seguinte), como The Mars Volta, Elbow, Muse e o próprio Radiohead.

Para encerrar essa resenha, cito a seguir duas reflexões interessantes que encontrei em artigos sobre Six. A primeira comenta sobre o fato de que a banda caiu numa espécie de ostracismo pelos próprios "historiadores" do britpop e raramente é colocada no cânone das grandes bandas dessa cena musical (Blur, Suede, Oasis, Pulp etc.), muito embora mereça o seu lugar neste panteão por seus dois excelentes primeiros álbuns:

"If Mansun, so popular at the tail end of the 90s, have been inexplicably erased from the history books by Britpop revisionists, it seems fitting to call for an end to such dumfounding neglect. (...) I like to think in years to come, with more distance from the decade in question, Mansun’s impact and significance will be projected more accurately in the music press and among listeners. (...) But really, all that matters is this: Six is an incredibly fucked-up/fucking incredible album" (artigo de Daniel Round para a God In The TV)

A segunda delas aponta a notável atualidade de várias temáticas psicológicas e socioculturais abordadas neste álbum:

"As the world pivots ever more inexorably into social media-fuelled chaos, atomisation and individual alienation and loneliness, Six becomes more relevant with each passing year, as many of the anxieties and worries it describes have become more widely discussed." (Ed Biggs)